terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Reflexão sobre o Tema da Campanha Fraternidade

Tarefas emancipatórias que a Dimensão Social da Fé Cristã exige de nós


A Campanha da Fraternidade de 2015 – Fraternidade e sociedade – quer fortalecer a Dimensão Social da Fé Cristã, que, com os movimentos espiritualistas, volatilizadores e desencarnadores da fé cristã, anda meio atrofiada em muitos ambientes religiosos. Vamos elencar na reflexão, abaixo, uma série de tarefas que julgamos decorrer da Dimensão Social da Fé Cristã.

 Promover libertação integral
Uma das tarefas das pessoas cristãs é lutar pela libertação integral das pessoas e de tudo e não apenas por libertação espiritual. No programa de Jesus, em Lc 4,16-21, consta uma libertação política (“libertar os presos”), social e econômica (“anunciar uma boa notícia aos pobres”), libertação ideológica (“restituir a visão”, e espiritual (“proclamar o Ano de Graça do Senhor”). Assim, Jesus resgata o Jubileu Bíblico (Lev 25,8-12). No ano do Jubileu, toca-se o “berrante” (em hebraico “sofar”), que acontece no primeiro ano após sete vezes sete anos. Neste Jubileu, todas as dívidas devem ser perdoadas; todas as terras devem voltar ao primeiro dono (aos ancestrais); todos os escravos devem ser libertados. Enfim, é tempo de se fazer uma reorganização geral na sociedade; tempo para recriar as relações humanas com fraternidade, justiça, solidariedade libertadora, reconciliação e novos sonhos.

 Acreditar na ortopráxis
Outra tarefa é defender uma ortopráxis (= testemunho libertador), não uma ortodoxia (= opinião certa). O que de fato faz diferença não é tanto o que a gente pensa ou em que acreditamos, mas o que fazemos (ou deixamos de fazer). É hora de compromisso com o modelo de Igreja querido pelo papa Francisco: Igreja popular, justa e misericordiosa. Urge compromisso com outro projeto de sociedade, que seja justo, ecumênico e sustentável ecologicamente.

  Rever conceitos
Verdade não é adequação de um conceito a um objeto. Isso é verdade formal. “Verdade é o que liberta todos e tudo”, diz o quarto evangelho da Bíblia. A verdade deve ser buscada conjuntamente. Ninguém é dono da verdade. Verdade como o que liberta deve ser buscada a partir dos pobres (últimos, pequenos, discriminados): pobre, excluído, sem terra, indígenas, negros, pessoas com deficiências, idosos, desempregados, homossexuais, mãe terra, irmã água, favelados, vítimas da violência etc.
É hora de perceber que a coisa mais sagrada é também profana. Profanar é retirar do uso exclusivo para dar acesso a todos. Pro-fanar vem do verbo grego faneo, que quer dizer “brilhar”. Ou seja, que o brilho do sagrado seja estendido a todos sem distinção e sem nenhuma discriminação. É hora de gritar “Não a todo e qualquer dualismo!” Não há separação entre espiritual e material, entre sagrado e profano, entre divino e humano, entre santo e pecador, entre puro e impuro etc. Tudo está intimamente relacionado.
Jesus não morreu na cruz porque Deus quis, mas foi condenado à pena de morte pelos podres poderes político-econômico e religioso.
Jesus doou sua vida por todos e tudo. Jesus testemunha um caminho de salvação, porque nos amou demais e não porque sofreu demais.
Jesus tornou-se Cristo, pois conseguiu desenvolver o infinito potencial de humanidade que cada pessoa traz consigo ao chegar a este mundo. “Jesus foi tão humano, tão humano, que só podia ser Deus”, disse o papa Paulo VI.
Milagre não é algo fruto de um poder extraordinário que está acima do humano. Milagre é uma maravilha de Deus, conforme diz o Primeiro Testamento da Bíblia. Milagre é um gesto solidário e libertador de Deus agindo nas entranhas da história.
Deus não é juiz, pois Deus é amor. O único poder que Deus tem é o poder do amor, que é de fato o que constrói.
Deus não é transcendente, mas transdescendente. Na Bíblia, de ponta a ponta, vemos a imagem de um Deus apaixonado pelo humano.
Deus não é neutro diante dos conflitos. Deus faz opção preferencial pelos pobres (cf. Ex 3,7-10).
Não existe inferno, nem purgatório e nem limbo como locais destinados aos pecadores, como descrito de forma tradicionalista por muitos nas igrejas. Satanás (satã, em hebraico) ou diabo (diabolos, em grego) não são entes abstratos, um deus negativo que faz oposição ao Deus da vida. Satanás (diabo) é tudo o que divide, separa, desune, oprime, exclui, discrimina e depreda. Pode ser uma dimensão interior nossa, mas em uma sociedade capitalista neoliberal como a nossa, trata-se prioritariamente de estruturas e instituições que oprimem, excluem e depreda a natureza. Podemos dizer que o agronegócio é satânico, pois concentra riqueza em poucas mãos, expulsa os pequenos do campo e devasta a biodiversidade. Uma democracia burguesa formal que não respeita a Constituição Brasileira e pisa na dignidade das pessoas é uma falsa democracia, algo também satânico.
Ser cristão implica ser anticapitalista. Não dá para compactuar com os pretensos valores do capitalismo: concorrência, competição, acumulação, lucrar e lucrar. Ser cristão é ser outro Cristo, alguém que consola os aflitos, mas que também incomoda os acomodados. Tarefa da pessoa cristã é buscar vida e liberdade para todos e tudo – e não apenas para alguns - mas a partir dos últimos.

Por Frei Gilvander Moreira
Continuaremos com a reflexão na próxima postagem 






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